segunda-feira, 27 de abril de 2015

Globo, 50 anos: a grande interrogação é a audiência

Bilionária, a TV Globo chega aos 50 anos ainda ostentando o título de líder de audiência, mas longe do patamar que se verificava em grande parte de sua trajetória. Uma coisa é clara: a audiência mudou, a Globo está consciente e tenta se antecipar a algo que ainda não é completamente conhecido.


50 anos depois de entrar no ar, a TV Globo enfrenta o desafio de manter-se relevante num cenário de profundas mudanças de hábitos

Olá.

A TV Globo é a maior produtora de conteúdo do país, a maior emissora de TV brasileira e uma das maiores do mundo e chega a seu cinquentenário com um acervo de produções que movimenta uma grande parte da cadeia do audiovisual, pauta toda a cobertura do mercado de mídia e carrega consigo uma cadeia de "filhotes" na TV paga e em outras frentes, que ajudam a formar o hoje lucrativo  Grupo Globo, com resultado líquido de R$ 2,35 bilhões e receitas superiores a R$ 16 bilhões.

Dados da própia Globo apontam a produção de 2.500 horas de entreteninento, 39% de share (participação no total de TVs ligadas), 130 títulos licenciados para mais de 170 países e o uso de 35 câmeras 4K, para produções em alta definição.

Bilionária, a TV Globo chega aos 50 anos ainda ostentando o título de líder de audiência, mas longe do patamar que se verificava em grande parte de sua trajetória. Por outro lado, especialistas do ramo creditam os ainda bons resultados à boa qualidade técnica e artística que a emissora sempre assegurou em suas produções. 

Em entrevista ao jornal Valor Econômico (acessível apenas para assinantes), os três filhos do jornalista Roberto Marinho, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto, fazem um balanço dos 50 anos da emissora e tentam projetar o futuro para a mídia TV e para a própria Globo, que tem sido cada vez mais difícil de se prever, dadas as novas tecnologias disruptivas que surgem a cada dia e mudam o modo de vida de milhões. Nela, os donos da emissora dão algumas pistas e indicam alguns cenários do que esperam para os próximos anos.


Nesta entrevista, o blog destacará um dos aspectos abordados - audiência - com a visão deles, e uma análise sobre tais pontos de vista. Uma coisa é clara: a audiência mudou, a Globo está consciente e tenta se antecipar a algo que ainda não é completamente conhecido.

Em tempo: esse post não é uma análise crítica de mídia, já que existem sites e outros blogs voltados para essa finalidade. Do mesmo modo, não representa juízo de valor ou uma visão editorializada do blog sobre a emissora.

Na entrevista, um dos temas em questão era sobre audiência, em especial como a Globo enxergava uma queda generalizada de audiência na TV aberta. Veja abaixo, reproduzida na íntegra, uma das perguntas e a resposta de um dos irmãos, Roberto Irineu, para em seguida acompanhar algumas considerações:

A que atribui o declínio da TV aberta?

RI - Não acho que a TV aberta esteja em declínio. Enquanto estivermos gerando conteúdo de qualidade, com relevância para as pessoas, elas vão continuar se ligando em nós. O que vemos são transformações na sociedade, que impactaram o mercado como um todo e ampliaram as ofertas de entretenimento, criaram oportunidades para o desenvolvimento de novos concorrentes e possibilitaram o maior acesso a outros meios de comunicação.

No início dos anos 90, havia a Globo e quatro redes nacionais no mercado. Agora temos outros 200 canais por assinatura, TVs conectadas, internet etc. Ainda assim, a Globo se mantém na preferência do seu público e do mercado publicitário, que gira em torno de 50% do mercado de TV, considerando a TV aberta e fechada. O conteúdo da cultura nacional em todas as redes abertas, uns 70% da audiência.

Com o desenvolvimento do país e o aumento do poder aquisitivo, a população brasileira cresceu, assim como o número de lares com aparelhos de TV, as horas assistidas e a nossa cobertura. Hoje, temos uma audiência muito maior do que tínhamos há 20 anos, atingimos um número bem maior de pessoas com potencial de consumo, principal medida de eficiência do investimento em mídia, ainda que os índices [percentuais] de audiência sejam ligeiramente menores em números absolutos.

Numa conta rápida, 30 pontos de audiência da Globo em 1997 [ano do início da medição do PNT] equivaliam a 10.106.038 domicílios com TV. Em 2014, os mesmos 30% correspondiam a 18.146.208 domicílios com TV, um aumento de 79,6%. Mesmo com a grande e variada oferta de canais, a maior audiência na TV paga é da Globo. Em 2014, no universo dos domicílios com TV paga, quatro em cada dez lares com a TV ligada estavam sintonizados na Globo.

O que há é uma mudança de hábitos. As pessoas querem consumir mídia, em horários e equipamentos diferentes. O que não podemos é nos desconectarmos das pessoas e das mudanças pelas quais elas passam continuamente.

(PNT = Painel Nacional de Televisão, os índices nacionais de audiência medidos pelo Ibope)

Vamos analisar essa resposta. Primeiro, vamos ler as duas primeiras frases:

"Não acho que a TV aberta esteja em declínio. Enquanto estivermos gerando conteúdo de qualidade, com relevância para as pessoas, elas vão continuar se ligando em nós."

A posição inicial do executivo é clara e taxativa, mas ao longo da resposta, sinaliza que há queda discreta de audiência. Mas a realidade é que a TV aberta está, sim, sob declínio de audiência - e a Globo, por ser líder, sente mais esses efeitos. Naturalmente que a emissora está respaldada com suas dezenas de canais agrupados sob o guarda-chuva Globosat, como compensação da saída de telespectadores.

Mas Roberto Irineu entrega o segredo do cofre sobre o tema: relevância. Essa é uma das palavras-chave para uma empresa de mídia. Mesmo que se trate de entretenimento, o nome do jogo é relevância, o que significa ser um conteúdo importante para as pessoas. 

Ao reiterar que a Globo é líder de audiência também na TV paga, ao afirmar que

"No início dos anos 90, havia a Globo e quatro redes nacionais no mercado. Agora temos outros 200 canais por assinatura, TVs conectadas, internet etc. ",

Roberto Irineu acaba confirmando o declínio de audiência, naturalmente causado pelo aumento da concorrência - daí a necessidade de se colocar em jogo a relevância. Em outras palavras, a Globo tem plena consciência de que há queda de audiência, ainda que minimize o fato, sabe que tem uma concorrência pesada, e sabe que o caminho será pelo conteúdo.

Um outro ponto merece importância. Veja esse trecho:

"Numa conta rápida, 30 pontos de audiência da Globo em 1997 [ano do início da medição do PNT] equivaliam a 10.106.038 domicílios com TV. Em 2014, os mesmos 30% correspondiam a 18.146.208 domicílios com TV, um aumento de 79,6%. "

Seguindo essa lógica, e considerando que em fevereiro deste ano foram registrados 19.715.831 assinaturas de TV paga, segundo dados da Anatel, podemos entender que esse montante corresponde a pouco mais de 30% da audiência total. Ou seja, quase um terço da população está na TV paga - ou melhor ainda: o teto de audiência passou de 100% para 70%.

Numa conta de padaria, se a Globo conquista num capítulo de novela das 21h algo em torno de 35 pontos, esse patamar corresponderia a 50% no passado. Nesse aspecto, é preciso considerar ainda mais o share, a participação no total de TVs ligadas - esse sim, o melhor parâmetro de análise de audiência, mas para efeito de análise, os novos patamares de audiência devem sempre considerar o teto na TV aberta. 

Uma outra conta de padaria:

Mesmo com a grande e variada oferta de canais, a maior audiência na TV paga é da Globo. Em 2014, no universo dos domicílios com TV paga, quatro em cada dez lares com a TV ligada estavam sintonizados na Globo.

Se quatro em cada dez lares estavam sintonizados na Globo, na TV paga, temos um índice médio de audiência de 40%. Considerando que pouco mais de 30% da audiência nacional está na TV paga, e se pudéssemos converter essa audiência para o ibope, o percentual de lares ligados na Globo via TV paga seria da ordem de 12%.

Peguemos um programa no horário nobre com 30 pontos de audiência. Na prática, seguindo essa lógica, seriam 42 pontos. Ou seja, a perda de audiência da Globo em si é pequena em relação ao universo de canais hoje existentes. A TV aberta como um todo, sim, tem queda de audiência, mas a grande questão é o destino dos telespectadores que compram pacotes de TV paga.

Esse fenômeno já tinha sido observado pelo jornalista Ricardo Feltrin (veja aqui e aqui) e ilustra como TV é uma questão de hábito - inclusive já comentamos ligeiramente aqui - o que nos leva a relacionar que audiência é igual à relevância mais hábito.

Quer ver como a questão é muito clara para eles?

"O que há é uma mudança de hábitos. As pessoas querem consumir mídia, em horários e equipamentos diferentes."

A Globo tem plena consciência de que são os hábitos de consumo e de vida que vão ditar o futuro da TV. Essa é a grande incógnita, pois tendências são previstas, mas podem não se confirmar.

A internet foi a primeira grande revolução na informação, ao se oferecer um mundo de opções, com as mais variadas linguagens. A segunda veio com a mobilidade, com a criação e a popularização de dispositivos como tablets, smartphones e notebooks - o que mudou a forma de produzir conteúdos - estes precisam ser pensados, agora, para esses novos aparelhos.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...