quarta-feira, 1 de julho de 2015

Embaixadora do futuro desejável - Entrevista com Lala Deheinzelin

'Ou cuidamos do futuro ou não teremos futuro'

Lala Deheinzelin, nossa primeira entrevistada exclusivamente para o blog


Olá.

Depois de um longo inverno, voltamos à cena - perdoem este blogueiro por tanto tempo sem postagens. Mas tem uma boa razão para isso: nossa primeira entrevista exclusiva. Quase dois meses depois de começá-la, apresento um conteúdo que transcende em muito as artes e a cultura e tem como foco o futuro.

Ao se fazer uma busca no Google sobre economia criativa, um dos primeiros nomes que surgem entre os resultados é o de Lala Deheinzelin. A especialista em Economia Criativa e Desenvolvimento Sustentável é criadora do movimento internacional “Crie Futuros”, cujo slogan, “Desejável mundo novo”, sintetiza e consolida a metodologia que reúne itens que passam de inovação e futuro à sustentabilidade. A ideia principal é pensar no futuro que se deseja e, diante desses desejos, começar a torná-lo realidade - mais do que tudo, tornar o futuro mais do que possível.

Em síntese, a principal linha de ação dela - uma das principais influenciadoras da economia criativa, onde a cultura está inserida - é a criação de um futuro desejável, onde os intangíveis são o centro de tudo. E o que são os intangíveis? São todos os recursos não-físicos, que podem ser explorados de forma abundante, sem risco de se esgotar. 

É o uso bem-sucedido da criatividade, associado à colaboração, em direção ao bem comum, que sustenta toda uma sociedade. Cuidar em vez de consumir. Colaborar em vez de produzir de forma isolada.

Na primeira entrevista exclusiva do blog, Lala relembra sua trajetória em favor da economia criativa com foco na sustentabilidade, ressalta como a cultura pode assumir sua relevância na mudança sem volta na direção ao compartilhar e colaborar como recurso natural, relata um pouco das experiências criativas exitosas e instiga a pensar num futuro desejável.


Abaixo estão as duas primeiras perguntas; a íntegra da entrevista pode ser acessada aqui, via Google Docs - reproduções são permitidas, desde que com os devidos créditos. E não deixe de compartilhar nosso conteúdo.

Você teve origem profissional nas artes cênicas e hoje é, como você mesmo se define, uma profissional transdisciplinar. Como e quando foi o momento em que decidiu deixar uma carreira por muitos almejada para entrar num campo até então desconhecido de quase todo o país?

Eu praticamente não fui atriz, vivi muito tempo de atuação nas artes, mas fazendo organização setorial, direção, criação, produção, coreografia e, por um pequeno momento, fui atriz. E a minha pequeníssima passagem pela televisão foi para conhecer esse meio e linguagem, da mesma maneira que eu passei por vários outros meios e outras linguagens, para poder conhecer. Mas nunca foi minha intenção e nem é meu forte ser atriz. Eu comecei no teatro e na dança e esse é um dos diferenciais que eu tenho em relação a outros experts em economia criativa. 

A outra vantagem, talvez, digamos assim, é que eu tive uma experiência muito diversa, muito vasta. Eu passei por todos os setores: por corporações, terceiro setor, governos locais, instiuições de fomento, como o Sistema S, cooperação internacional etc. Entrei mesmo na economia criativa já com esse nome a partir de 2004, quando aconteceu a 11th Unctad, no Brasil.

Em 2004 mesmo, a ONU percebeu que essa era uma estratégia de desenvolvimento que eles ainda não tinham contemplado. Nesse encontro, decidiu-se que seria criado um centro internacional de economia criativa para poder articular as várias agências do sistema ONU em torno desse tema que é transversal, que tem a ver com trabalho, com propriedade intelectual, com cultura, desenvolvimento etc. Era o início do governo Lula, [Gilberto] Gil como ministro e o Brasil se ofereceu para sediar esse centro internacional.

Aí, fui convidada a fazer o desenho desse centro. Nesse momento, convidei a Ana Carla [Fonseca Reis, especialista] e começou a história – [na verdade] iniciada pela Edna dos Santos e depois a gente começa a trabalhar com a ideia do centro. Infelizmente, o centro não avançou, como tantas coisas, por descontinuidade política e por brigas internas. Eu comecei a trabalhar com a ONU, com a agência que estava fazendo esse trabalho de articulação com outras agências – era a unidade de cooperação Sul-Sul, ligada ao PNUD.

Foi muito interessante porque eu já era futurista, desde a metade dos anos 90. Nesse trabalho em quatro continentes, eu pude notar como era importante atualizar a ideia de indústria criativa para a de economia criativa, mais ampla, mais includente, com o objetivo da sustentabilidade – mais para o desenvolvimento sustentável do que para o crescimento econômico. E que é superimportante trabalhar para além da ideia de setores, porque a visão setorial não é tão eficaz, isso já está claro para quem trabalha com desenvolvimento.

A partir daí, comecei a pensar não em modelos, porque eu vi o estrago causado pela aplicação de modelos importados na China, Colômbia e em outros países, mas na importância de desenvolver ferramentas para economia criativa com foco na sustentabilidade e, melhor ainda, combinada com processos colaborativos em rede, porque aí conseguimos realmente resultados extraordinários. 

O diferencial do meu trabalho foi que eu passei a desenvolver essas ferramentas, observando e sistematizando vários processos bem sucedidos em várias escalas: do menor ao maior; de pequenos grupos criativos a políticas nacionais, mas a partir de quatro eixos: visão de futuro, sustentabilidade, processos criativos e a economia criativa em si. Acho que foram esses quatro eixos que fizeram meu trabalho um pouco único e pioneiro, não só no Brasil.

Qual o papel da cultura nesse novo cenário?

Quando falamos em papel da cultura, primeiro precisamos saber o que queremos dizer. Se queremos dizer artes, ou melhor, linguagens artísticas, então elas são uma parte da economia criativa e uma parte importante que está dentro de outra coisa, chamada ‘indústrias criativas’. Se fôssemos encaixar umas dentro das outras, a gente teria uma bolinha, que são as artes, dentro de outra bola, que são as indústrias criativas, e essa bola estaria inserida em outra ainda maior, que é a economia criativa.

Agora, a cultura tem a ver com mentalidade. Por exemplo, o que fez com que a gente ainda não adotasse a economia criativa como estratégia de desenvolvimento do país – porque é a única chance de sustentabilidade – é uma questão cultural, porque nossa cultura ainda valoriza apenas uma economia baseada em tangíveis, a do século 19, do século 20, mas que não é mais a economia do século 21. 

Só quando a gente tiver uma mudança cultural realmente vamos entrar no século 21 e deixar de ter uma economia insustentável, que foca em recursos materiais. Por exemplo, nossa política segue sendo de indústria siderúrgica, automóveis... isso aí é século 20, mas não é século 21 – nele, só entraremos quando mudarmos de cultura.

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